segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Outro ponto de vista


por Acácio de Brito

 “Poucos países fabricaram acerca de si mesmos uma imagem tão idílica como Portugal”. (Eduardo Lourenço)

Esta semana passaram 35 anos que cheguei a Portugal. Partindo de uma terra com uma temperatura de verão a rondar 40 graus, a chegada
à antiga capital do Império, com um frio de rachar, foi como que um baque ou corte radical de vida. Nesse tempo, 14 de Dezembro de 1976, eram ministros, entre outros, Medina Carreira e António Barreto, personalidades pelas quais nutro admiração intelectual. Não obstante, quando hoje opinam sobre o país e as vicissitudes por que passamos, podem suscitar, a quem chegou
a uma terra nova, da qual apenas tinha conhecimento pelos livros e pelo testemunho de quem por lá passava, algumas perplexidades. Sabemos que o que hoje vivemos é consequência de uma ausência de pensamento estratégico de décadas. Vivíamos, então, na base de um sonho em que tudo era gratuito. Aliás, a Constituição orientava-nos para termos
o céu na terra, de graça! Entretanto, em Braga, terra que adoptei como minha, e onde passei a residir
a partir de finais de 1977, acabava de ganhar as primeiras eleições autárquicas, na véspera da minha chegada a Lisboa, um jovem engenheiro. Braga, terra de que me enamorei là primeira vista. O que logo dela conheci, a zona do então Sabiá, tinha sido obra e rasgo de um verdadeiro Homem de governo, o Comendador Santos da Cunha. Passaram 35 anos! Muito tempo. Tempo de grandes transformações! Jovem adolescente, concluí no Sá de Miranda a minha formação secundária, entrecortando-a, por necessidades pessoais, com trabalhos de ocasião que me fortaleceram e ajudaram a perceber que nada se tem sem trabalho. Concluí a minha formação académica na Faculdade de Filosofia e, também, na UM, ambas na urbe bracarense. Nessa década de 70, acabado o forrobodó revolucionário, porque o dinheiro começou a escassear, dirigem-se os poderes de então para a ajuda externa, solicitando apoio ao FMI. Na década de 80, nova situação aflitiva, novo recurso ao FMI.
A culpa era sempre da conjuntura internacional. Nunca foi assumida como resultante da incompetência doméstica para o tratamento de assuntos de governação. Contudo, o apoio exterior solicitado na década de 80, considerado um sucesso, só o foi aparentemente, pois o seu final coincide com a chegada dos milhões da então CEE, referentes ao período de transição e, posteriormente, ao 1.o QCA. A eles se seguiram, nos últimos 25 anos, mais outros quatro apoios significativos que nos iriam transformar no paraíso da Europa. Não obstante, insistimos em não ouvir
o avisado desafio de Ernâni Lopes, ministro que concluiu, na madrugada de 28 de Março de 1985, o nosso processo de adesão, com palavras sábias por muitos não seguidas: “logo nessa madrugada disse que o mais fácil estava feito –
a partir daí é que iria começar o verdadeiro desafio para Portugal”. Aí está a génese moderna do nosso actual estado de coisa! Perante o desafio sério de procurarmos a autenticidade do verdadeiro saber, na única das áreas em que, de facto, nos podíamos diferenciar, a Educação, a opção foi para o facilitismo: formação profissional pensada na lógica de obtenção de fundos, obras faraónicas com importação maciça de tecnologia estrangeira
e a Educação, sector chave, entregue a quem pensava que o faz-de-conta conta alguma coisa no mundo real!
E chegámos ao que de onde, verdadeiramente, desde Abril de 1974, nunca conseguimos sair: à bancarrota, económica, financeira e social, que se resolve com mais ou menos, sacrifícios pecuniários. Contudo, o mais difícil encontra-se a um outro nível: nos valores que se perderam, que se insiste em continuar
a não valorizar. Portugal precisa de uma Educação que estimule a coragem de arriscar, ou se quisermos, uma curiosidade filosófica por coisas novas, que têm sido, grosso modo, pensadas como inúteis e desnecessárias. Enquanto as discussões permanecerem ao nível de uma pré-formatação dos mesmos actores, em papéis diferentes, ontem ministros, hoje opinadores, tudo ficará na mesma. Também por isso, em Braga, em 35 anos, o essencial não mudou, talvez porque “os portugueses (e os bracarenses) são marcados, desde há muito, pela noção de que, em Portugal, é ‘mesmo assim’, de que as coisas ‘são como são’ e nada muda ou pode mudar”. Não obstante, não tem que ser assim!

C.M. de 16/12/2011

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