segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Outro Ponto de Vista

Acácio de Brito
in Diário do Minho, 18/10/2011

 “Se quisermos preservar uma sociedade livre, é essencial que reconheçamos que o facto de um determinado objectivo ser desejável não constitui justificação suficiente para se usar de coerção.”
Friedrich Hayek

Uma declaração prévia de interesses: sou quadro da administração pública, funcionário público, com um vínculo contratual de nomeação.
Tenho uma opinião que sujeito a escrutínio e sou apoiante desta maioria de governo.
Não obstante, a propósito dos disparates que por aí pululam, nomeadamente com os considerandos sobre as características do emprego público e da sua pretensa duração “para
sempre”, a propósito da introdução disparatada de um imposto direccionado apenas a alguns, diga-se, em abono da verdade, que só tem esta opinião quem é manifestamente ignorante ou, pior, pratica uma desonestidade intelectual.
A maioria dos funcionários públicos tem um estatuto contratual de contrato individual de trabalho de funções públicas, ou de tempo incerto ou determinado. Logo, pode ser dispensado, vulgo, objecto de despedimento previsto na Lei.
Aliás, o actual ministro das Finanças, a fazer fé no que disse, só não promove o despedimento de cerca de 50 a 100 mil funcionários públicos porque é mais barato, segundo o próprio, a adopção deste imposto, vulgo confisco dirigido.
As excepções aos contratos para funções públicas, as consideradas nomeações, são apenas para os servidores de serviços com determinadas especificidades, mormente, as forças de segurança, os magistrados, diplomatas e inspectores.
Vem isto a propósito de se ouvir dizer que os funcionários públicos gozam da prerrogativa de emprego para a vida, contrariamente aos do mundo privado. Não é de todo verdade, como as palavras de Vítor Gaspar, obviamente confirmam.
Os professores, muitos deles com uma precariedade contratual assinalável, alguns com muitos anos de docência, encontram-se no desemprego. E a tendência é para piorar. Contratos de curta duração, só enquanto são necessários ao sistema. Os técnicos da área de saúde com vínculos laborais a roçar o limite da legalidade, e os técnicos da área social, sem perspectiva de carreira, e aposentados/pensionistas sem qualquer poder reivindicativo, encontram-se na mesma situação.
Estes três exemplos das áreas consideradas com maior custo agregado nas despesas públicas, (educação, saúde e segurança social) com as remunerações, ilustram que, afinal, a diferença entre o público e o privado reside em que num dos sectores, a função pública, são alteradas as condições previstas de remuneração de forma arbitrária, em contraponto com o privado, que tem de ser objecto de acordo em sede da concertação social.
Temos de perceber que o novo paradigma/modelo legislativo, nomeadamente a Lei n.o 59/2008, de 11 de Setembro, implicou, per se, o início de um processo de laboralização do emprego público, nomeadamente com a aplicação de um novo contrato de trabalho e a passagem de uma visão estática do emprego público, de outrora, para uma jurisprivatização do direito laboral, que pode ser ilustrada no binómio expulsão versus despedimento, e tem enquadramento instrumental no Estatuto Disciplinar.
Estes considerandos encontram substantividade na recente intenção prevista na proposta da Lei de orçamento do “confisco” de dois meses de remuneração/subsídios de Natal e de Férias, apenas dos funcionários públicos, o que já mereceu, até por parte do Senhor Presidente da República, manifesta discordância.
E esse desacordo público pode ser entendido como alerta para o facto de se estar a dar importância ao fácil e acessório – corte nas remunerações/subsídios – esquecendo o importante – a reforma dos serviços que ao Estado deve competir fazer.
Sem essa reforma estruturante do Estado, estes “estupros fiscais” ou “confiscos” brutais são paliativos. Entretanto, todos sabemos que não mais haverá lugar a qualquer tipo de recuperação do que agora é, indevidamente, retirado.
Os assuntos de Estado são demasiado sérios e importantes para estar nas mãos de “guarda-livros”, mesmo encartados, ou de “troca-tintas”.
Com efeito, eles tratam e afectam as nossas vidas de pessoas, irrepetíveis e únicas.

1 comentário:

Nuno disse...

Estamos em tempo de guerra!