segunda-feira, 19 de setembro de 2011

"Infelizmente, para todos, Durão Barroso não é Jacques Delors" Mira Amaral

O ex-ministro diz que é mais barato mandar para casa funcionários públicos, pagando-lhes o salário do que mantê-los a trabalhar

Mira Amaral, presidente do Banco BIC Portugês e ex-ministro da Indústria e Energia acredita que o sector privado o tem tratado melhor que o sector público. E sente-se injustiçado por Cavaco Silva, o seu primeiro-ministro, que, acredita, não soube reconhecer-lhe o devido valor: "Tinha três meninos queridos e nunca soube elogiar o trabalho de ninguém". Agora, para voltar ao governo, só na pele de ministro das Finanças. Conta que a vida o ensinou que as grandes mudanças se fazem com pequenos passos. E que é assim que se gera confiança. Defende o fim do canal público de televisão e de todos os serviços públicos inúteis. E só assim o Estado pode garantir a saúde e a educação, duas prioridades de um Estado Social. Sobre a Europa, diz que a saída de Portugal do euro seria um "disparate" sem tamanho e uma medida "preguiçosa" que nos levaria de volta ao terceiro mundo.

Pertence ao grupo dos que defendem a saída de Portugal do euro?

Portugal sair do euro é um perfeito disparate!

Porquê?

Porque se sairmos do euro a dívida mantém-se em euros e noutras moedas fortes, o que significa que as taxas de juro disparariam para 40 por cento ou 50 por cento, com a consequente perda de poder de compra e de nível de vida. Voltávamos a ser um país de terceiro mundo.

E não estamos quase lá?

Se o problema é a falta de competitividade, é preferível reduzir salários nominais, aumentar horários de trabalho ou reduzir a taxa social única. Tudo medidas que não acarretam as consequências muito graves da saída do euro.

Mas estamos à beira disso...

Sair do euro é condenar Portugal a ser um país de terceiro mundo e seria uma medida preguiçosa para tentar evitar os ajustamentos estruturais que temos que fazer. E vamos ser realistas: haverá sempre países com salários mais baixos. Deixemo-nos de fantasias.

Qual é a sua solução?

Avançar com as reformas estruturais que estão previstas no Memorando assinado com a troika.

O problema do euro existe para lá da questão de Portugal...

O que vai acontecer na Europa não vai depender só de nós. O que temos é que fazer o nosso trabalho de casa bem feito.

Como vê o desempenho de Durão Barroso à frente da Comissão Europeia?

Infelizmente, para todos, Durão Barroso não é um Jaques Delors, que conseguiu formar uma estratégia e levar gente atrás de si.

Barroso nunca apresentou um pensamento estratégico para a integração europeia e para o desenvolvimento desse projecto. A Alemanha e a França não ligam ao presidente e tomam as suas decisões sem ter em conta a coesão europeia .

Portugal está refém da Europa?

Portugal precisa de manter-se no euro como de pão para a boca, mas não podemos ficar dependentes só da Europa. Não podemos esquecer o eixo atlântico, países com Angola e o Brasil. Isto já para não falar da China e da Índia...

Existem vários casos de sucesso de empresas brasileiras em Portugal. No entanto, os empresários portugueses não têm tido muito êxito no Brasil. Há uma explicação para isto?

Há duas ou três razões para isso. A primeira de todas é que o Brasil é mais proteccionista do que nós possamos pensar. Em termos económicos, o Brasil tem muita influência anglo-saxónica... Angola é mais fácil para nós.(...)

Fala das contas nacionais, da despesa pública?

Como o Estado não tem balanço é difícil dizer com exactidão, mas se Portugal fosse uma empresa não teria facturação para fazer face aos seus custos fixos actuais. A despesa fixa é elevada. A despesa pública corrente primária tem que baixar. Está nos 44% do PIB e tem de ir para uns 30% do PIB no espaço de duas legislaturas.

A situação era, antes da intervenção da Troika, de ameaça de estoiro das finanças públicas.

A dívida pública efectiva do Estado português era de cerca de 115% do PIB em 2010, da qual as parcerias público privadas representam 11% e o passivo das empresas públicas representa cerca de 15%.

Mas havia sinais evidentes de ruptura.

Há três anos fui ao Prós e Contras, a pedido do então líder do PSD Luís Filipe Menezes, discutir o Orçamento de Estado com o ministro da Finanças, Teixeira dos Santos. Disse na altura que a redução do défice não era sustentável, porque foi feita à custa do aumento da receita fiscal e não da diminuição da despesa.

E como é que se pode aliviar o peso das empresas públicas nas contas do Estado?

A questão é que as empresas públicas de transportes, por exemplo, que têm uma função social, têm receitas que não cobrem os custos. Mas há outras. Por mim era acabar com a RTP pública, canal 1, canal generalista que faz o mesmo que as privadas. A subvenção pública da empresa é igual ao investimento no TGV.

É preciso reduzir o número de serviços públicos, extinguindo os socialmente inúteis. É evidente que temos de manter o Estado nas funções de soberania e sociais. Mas só assim é que teremos dinheiro para pagar as reformas, os subsídios de desemprego, a saúde.

Se não cortarmos com o Estado inútil, não haverá dinheiro para o Estado Social.

E como se corta com o Estado inútil?

É mais barato para o Estado pagar às pessoas (Função Pública) para ficarem em casa. A poupança é maior. Preferia mandar para casa, com ordenado, uma série de gente. Depois discutia com os sindicatos o que fazer a essas pessoas.

Criaram um complicómetro...

O que é que o choca mais, neste processo?

O que mais me choca é o que aconteceu à Função Pública. Manuela Ferreira Leite congelou a progressão de carreira na Função Pública, e isso tem infelizmente continuado.

Devia ter-se dispensado logo os que não faziam falta e os outros deveriam ser geridos decentemente com naturais aumentos salariais e progressão na carreira.

Era isso que faria, se estivesse no governo?

Se eu chegasse ao governo como ministro das Finanças dizia a cada ministro: "Quais são as suas prioridades essenciais? Muito bem, então quero contrapartidas: que serviços pode extinguir?".

E dava sinal de que algo iria mudar. A vida ensinou-me que a estratégia não é fazer uma aposta grandiosa, é dar pequenos passos. O factor psicológico, introduzindo imediatamente sinais de mudança, é muito importante para gerir as expectativas das pessoas.

Falou no investimento em Angola. Hoje, Angola e corrupção são indissociáveis...

Devem ser os angolanos a falar sobre isso, eu não me meto nessas questões. Mas a verdade é que Angola já ultrapassou a União Europeia como mercado exportador de produtos portugueses. É mais fácil exportar para Angola do que para a União Europeia ou para o Brasil.

Pela experiência que tem, o que quer Angola de Portugal?

O governo angolano quer que as empresas façam parcerias com angolanos, com empresas locais, para ajudar a formar empresários no país e para fomentar o desenvolvimento local.

Eu lembro-me de que quando estava no governo e não havia empresas estrangeiras em Portugal a estratégia que seguimos para atrair investimento era igual. E as empresas não podem estar alheias a este facto.

Agora, também penso que a ex-potência colonizadora deve ser a que menos se deve meter em assuntos internos de Angola.(...)

Há um lobby instalado de grupos de interesse do Estado em relação a quem fornece o quê?

Sim. Choca-me, por exemplo, a protecção que se faz à EDP ou à PT, mas quando é para comprar determinados tipos de serviço fazem-no no mercado global em vez de apoiarem as empresas de software nacionais. É muito interessante. Veja o caso da PT e da EDP com as golden-shares para as proteger. Os gestores, quando é para fazer compras vão fazê-las lá fora, quando podiam comprar a fornecedores portugueses. Aí comportam-se como gestores do mercado internacional. Mas depois, gostavam da golden-share para os proteger de uma OPA...

Para mim, é simples: em condições de igualdade devem ser privilegiadas marcas portuguesas. Mas a compra tem de ser competitiva: a empresa tem de tratar do interesse accionista e o Estado trata do interesse nacional.

Costuma comprar nacional ou estrangeiro?

Como todos sabem gosto de qualidade de vida, embora saiba que há uns esquerdalhos que não gostam desta minha faceta. Se tiver tão bom português como estrangeiro, compro português, até acho que é uma questão de cultura cívica. Há um novo riquismo por produto estrangeiro.

E, como estamos a falar de compras, qual a sua opinião sobre um imposto sobre as grandes fortunas ou cobrar mais a quem ganha mais?

Antes de mais, uma declaração de interesses: eu não sou rico!

Vai responder como Américo Amorim, que é um pobre trabalhador?

Quando se falou nisso, percebi logo que isto ia apanhar a classe média. Como é possível, um país onde a ganhar 50 mil euros já se é rico...

A questão é que taxar o património imobiliário é complicado, porque pode não gerar renda para pagar imposto e vai acabar por ser entregue ao fisco.

No mobiliário a questão é que se pode sempre levar para outro lado. Estas medidas vão fazer fugir capitais, num momento em que o que se devia estar a fazer era captar riqueza externa.

Claro, o pagamento de impostos é um dever cívico indiscutível. Não gosto do aumento de impostos, mas percebo, e não tenham pena de mim.

O que pensa sobre as críticas às empresas que têm sede domiciliária fora de Portugal?

É um disparate. O nosso governo não nasceu de geração espontânea e Portugal assinou o Tratado que prevê a livre circulação de pessoas e bens. Se a Holanda ou o Luxemburgo oferecem boas condições, o que Portugal tem de fazer é oferecer condições melhores, aliviar a carga fiscal.

No tempo de Salazar, havia quem fugisse a pé para França... Agora há livre circulação de capitais, que o governo assinou por interesse do país. Só há uma coisa a perguntar: porque é que eles estão lá e não estão cá?! É tão simples quanto isto.

Ainda sobre si, diz que não é rico mas o valor da sua reforma já fez correr muita tinta...

A minha reforma é em função dos descontos que fiz. Trabalhei para ela contribuindo com 38 anos de carreira contributiva, e sou dos melhores clientes da minha Repartição de Finanças.

Resolvi a questão da Barragem de Cahora Bassa sem cobrar um tostão ao Estado, o que resultou em 900 milhões de dólares para os bolsos do Estado. Podia ter cobrado um fee, que seria elevadíssimo, e não o fiz. Trabalhei dois anos nisto de graça para ajudar o meu país e no fim fui enganado e enxovalhado pelo governo PSD/PP da altura.

Está magoado com Cavaco Silva?

Cavaco Silva conseguiu no governo uma imagem de mais executivo e menos político. Diz que não é político profissional mas é o mais profissional dos políticos portugueses...

Do ISEG trouxe dois amigos Ferreira Leite e Eduardo Catroga. Na Católica, como professor, ficou a gostar de Alexandre Relvas, Luís Palha, António de Sousa e Horta Osório. No governo os eleitos eram Durão Barroso, Ferreira do Amaral, Dias Loureiro, Leonor Beleza, Isabel Mota, Paulo Teixeira Pinto e Teresa Patrício Gouveia. Durão Barroso foi o seu príncipe herdeiro.Tinha três meninos queridos e nunca soube elogiar o trabalho de ninguém.



por Isabel Tavares,
"i", 19 de Setembro de 2011

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