terça-feira, 31 de maio de 2011

I´m back

David Adjaye conversa com Ricardo Carvalho

David Adjaye foi o arquitecto escolhido para desenhar o Centro Cultural Africa.Cont, no Palacete Pombal, Janelas Verdes, em Lisboa - é um espaço que pretende dinamizar a arte contemporânea africana. Nasceu na Tanzânia mas a sua formação foi feita em Londres, cidade onde começou a construir no início na década de 90. As casas que desenhou para artistas instalados na zona este de Londres, e a sua actividade de divulgador de arquitectura com programas televisivos para a BBC, deram-lhe atenção mediática. Pouco depois realizou os projectos da Idea Store para duas áreas de Londres - "lojas" que são na verdade centros cívicos, com biblioteca, livraria, café e espaços de apropriação variada destinados às comunidades asiáticas com vista à sua integração plena.

Adjaye, 43 anos, tornou-se, assim, o arquitecto britânico mais conhecido da sua geração. Tem obra pública construída nos EUA e na Europa - obra que não é imediatamente identificável, varia e adapta-se consoante a circunstância e destinatário. O Museu de Arte Contemporânea em Denver e o Centro Cultural Rivington em Londres, por exemplo, são edifícios públicos com grande força expressiva mas também tremendamente pragmáticos.

A propósito de um convite da Harvard Graduate School of Design, nos EUA, onde é professor, para uma exposição do seu trabalho, Adjaye contrapôs com uma outra ideia. É a exposição que vai inaugurar em 2010 em Londres sobre as 53 capitais do continente africano vistas por ele próprio.
Este ano ganhou o concurso para o Museu Nacional de História e Cultura Afro-Americana em Washington DC. O Africa.Cont de Lisboa, iniciativa da Câmara Municial de Lisboa e ministério dos Negócios Estrangeiros insere-se neste percurso de um arquitecto chamado à diáspora contemporânea da cultura africana.


Com os seus projectos para a Idea Store e para o Centro Cultural Rivington Place, ambos em Londres, mostou-se um arquitecto interessado no contexto onde opera. Com a Idea Store o espaço público ocupado pelas comunidades asiáticas "entra" dentro do edifício numa estratégia de grande informalidade. O Centro Cultural Rivington Place parece querer ser mais um armazém industrial entre outros no bairro de Shoreditch. Vamos encontrar a mesma estratégia no seu projecto para o Africa.Cont em Lisboa?

Sim. Essa é uma das minhas estratégias, o trabalho com o contexto. Aqui em Lisboa, cidade com uma história impressionante, podemos ver um contínuo conglomerado de volumes. Quando começámos o projecto, pensei imediatamente numa ideia de "cluster" [agrupamento de várias unidades] a partir dos volumes que compõem o conjunto que vamos trabalhar. Também me foi pedido que se reforçasse o carácter público do projecto, de modo a celebrar este centro cultural - como uma cidade dentro da cidade.



A estratégia para o Africa.Cont partiu daí, da organização de volumes, da recuperação do Palacete Pombal e da relação com o rio Tejo. Como as geometrias dos edifícios são diagonais em relação à rua e ao rio, o projecto procura conciliar formalmente este distorção com a malha de volumes. Daí acreditamos poder reforçar esse carácter público de que falava com os terraços aberto ao rio - situação que é única. Este lugar não será apenas para os lisboetas mas para toda a diáspora africana, será um lugar de grande informalidade.

O paradigma do espaço de exposição como um cubo branco está definitivamente superado. O que é que podemos esperar dos espaços para mostrar arte no Africa.Cont?

O cubo branco parece de facto estar esgotado, mas a discussão está em aberto. Não sei se tenho resposta. Os artistas parecem estar cada vez mais comprometidos com a cidade. Foram os artistas que se apropriaram dos resíduos da cidade industrial como o sítio ideal para trabalhar, afastando-se dos palácios, procurando uma nova informalidade. Depois disso transformámos culturalmente essa informalidade numa nova formalidade. E assim o mundo artístico reagiu novamente, com um protagonismo fortíssimo da perfomance nos espaços urbanos.

A arte está sempre a procurar novas posições, que acabam por regenerar as ideias sobre a cidade. Ao mesmo tempo permite que os artistas encontrem novos espaços. O pior que lhes pode acontecer é encerar as suas energias [risos]. Para mostrar arte temos que ter alguma tensão ou criar a capacidade do espaço para reagir. É por isso que gosto tanto do sítio do futuro Africa.Cont . Está carregado de história, está carregado de uma dimensão política e social e o bairro está a ganhar nova centralidade.

É também um dos seus projectos onde o tema da topografia é determinante.

É verdade! Estava habituado à ausência de topografia em Londres. Cheguei a pensar que esse tema era irrelevante mas agora percebi que não. Pensava que a vista significava apenas urbanidade. Agora que estou a trabalhara com a linha do horizonte em vários projectos posso dizer que estou a gostar.
Em Londres trabalhava com fragmentos da cidade, em termos de relação com o exterior. Aqui em Lisboa estou a trabalhar com uma parte de cidade. Esta possibilidade de fazer um projecto numa plataforma é profundamente romântica.

Já tem uma ideia da atmosfera do projecto?

Sim. Mas quero que seja uma surpresa. Posso dizer que a ideia principal é a ideia de genorosidade. O projecto vai ser o instrumento para voltar a olhar a cidade e os edifícios.

Está a preparar uma exposição e um livro sobre várias cidades africanas. Revelaram-se uma influência no trabalho que está a desenvolver?

Estou a preparar esta exposição há dez anos. Decidir começar a investigação nas cidades de que o meu pai me falava. Ele era diplomata e cresci com as suas histórias sobre Maputo, Nairobi, Cairo ou Campala. As minhas memórias acabaram por ser o cruzamento dessas histórias com a minha experiência e emoções. Como cresci em vários sítios diferentes - nunca tive um lugar estável - quis voltar a ligar essas narrativas porque constituem a minha ideia de casa. Assim decidi fazê-lo, saber como adulto o que é, por exemplo, a baixa de Maputo, que é hoje uma das minhas cidades africanas preferidas. Ou saber como são os "boulevards" de Nairobi, ou as colinas de Campala [Uganda].

Depois disso comecei a discutir com os meus alunos de Harvard ideias sobre concepções do mundo, e sobre conceitos de cosmopolitismo. Tendemos a confundir modernidade cosmopolita com modernidade tecnológica, mas a modernidade cosmopolita é sobre o compromisso com o outro. E isso acontece em muitos lugares do continente africano. Encontrei muitos modos de uma modernidade sofisticada em África que as pessoas não conhecem. Há muitas pessoas que crescem culturalmente aprendendo da vida quotidiana e não necessariamente do contacto com a tecnologia. Isso é muito inspirador.

Falando de arquitectura em África não podemos esperar a remanescência de uma beleza romântica, mas sim uma evolução informal dos lugares. Evolução boa e má. Não estive interessado em fazer juízos sobre a arquitectura. Comecei por fotografar, para sentir a escala, forma, modos de ligação entre coisas, padrões, texturas. Fi-lo de modo quase frio. Não usei guias - jamais contrataria um guia - mas usei sempre um motorista de táxi [risos].

Simplesmente andou pelas cidades, observando.

Exacto! Depois ficava amigo dos motoristas de táxi. Quando cheguei a compilar informação sobre vinte cidades, convidaram-me para mostrar o meu trabalho de arquitecto em Harvard. Propus então mostrar este trabalho, que teve muita atenção mediática. Depois decidi fazer o trabalho sobre as 53 capitais africanas. O livro vai sair na Primavera pela Thames & Hudson e a exposição vai inaugurar em Londres. Estou a contar que possa ser vista no Africa.Cont.

A sua formação passou por escolas europeias e por arquitectos como David Chipperfield ou Eduardo Souto de Moura, muito ligados a uma ideia de sofisticação distinta da que estamos a falar.

Já tive esta conversa com amigos e respondi: é tudo uma questão de humor! Não acredito na sofisticação como ideia. A sofisticação pode alienar. Estou mais interessado no compromisso da arquitectura em poder estabelecer relações históricas. Também estou interessado em relações viscerais. Gosto muito do trabalho do David [Chipperfield] e do Eduardo [Souto de Moura] mas não poderia nunca fazer o que eles fazem.

Podemos dizer que os seus edifícios públicos, como o Centro Rivington Place e a Idea Store, são amigáveis e não estão à procura de qualquer tipo de tensão. Mas o edifício da Fundação Stephen Lawrence [fundação que funciona num bairro problemático do sul de Londres como centro comunitário; tem o nome de um rapaz que queria ser arquitecto e que foi assassinado aos 18 anos, vítima de um crime racista], que é mais afirmativo formalmente, não foi tão bem recebido na comunidade.

É verdade. O edifício foi ferido um ano depois de ser construído. Houve um tiroteio e os vidros estão partidos. Programaticamente é, antes de mais, um monumento. Não quisemos fazer um monumento convencional e pensámos que a arquitectura podia ser mais performativa. Foi uma decisão radical, até porque nunca o tínhamos feito antes. O edifício chegou à comunidade rapidamente - foi acolhido. Os miúdos gostavam de ir para lá depois da escola. Foi ferido porque esta área é problemática e algumas pessoas preferem manter os outros num regime de medo, para manter a segregação racial.

Se quisermos ser optimistas face a uma situação terrível podemos dizer que o tiroteio foi uma bênção, porque demonstrou que a comunidade tem um problema grave que deve ser resolvido. Temos que dizer que esta comunidade nasceu na legalidade e por isso o problema tem que ter solução. É um caso em que a arquitectura reuniu as pessoas.

Trabalhou com muitos artistas, como Chris Ofili ou Olafur Eliasson, e isso tornou-se um tema para a crítica procurar influências directas da arte na sua arquitectura. Mas não será que é o inverso que acontece?

Sim, sem querer entrar em polémica, é exactamente o inverso o que acontece. Todas as colaborações foram verdadeiros trabalhos de partilha. Estes artistas com quem trabalhei desejavam de mim um contra-peso ao seu próprio trabalho. Gosto muito da cultura barroca, tal como da Arte Deco, da Secessão Vienense, porque encontramos aí uma densa fusão entre Arte e Arquitectura. Quando artistas e arquitectos se juntam podem interpretar a sociedade de modo profundo. É uma palavra pesada mas penso que é apropriada.

Texto escrito por Ricardo Carvalho para o Jornal Público, suplemento Ipsilon, 03 de Julho de 2009.

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