quinta-feira, 15 de abril de 2010

"A nossa maior contribuição para o desenvolvimento"

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O lado político de Bento XVI

Estamos acostumados a considerar os Papas como guias espirituais e teológicos, mas um livro publicado recentemente ressalta a importância e a influência do pensamento social e político de Bento XVI.

Em The Social and Political Thought of Benedict XVI (O Pensamento Social e Político de Bento XVI), Thomas R. Rourke analisa a trajectória do Papa sobre esses temas, tanto antes como depois de sua eleição à cátedra de Pedro. Rourke é professor no departamento de Ciências Políticas da Universidade de Clarion, na Pensilvânia.

Embora seja mais conhecido como teólogo, Bento XVI é um pensador de política muito profundo, e seu pensamento social merece mais atenção do que até agora recebeu, defende Rourke.

Ele começa analisando o fundamento antropológico do pensamento do Papa. Em seu livro “No caminho de Jesus Cristo”, o então cardeal Ratzinger considerava o desenvolvimento do conceito de pessoa.

A contribuição da Bíblia e do pensamento cristão permitiram que o conceito original grego fosse consideravelmente enriquecido, sobretudo no sentido de ver a pessoa como um ser relacional. Isso conduz a uma espiritualidade de comunhão, que Rourke afirma que está na raiz da compreensão da doutrina social de Bento XVI.

Assim, na comunidade de pessoas divinas da Trindade, descobrimos as raízes espirituais da comunidade humana. Por isso, na antropologia do Papa, não somos indivíduos que num segundo momento entramos em relação com outras pessoas. Melhor, a relação está na própria base da natureza da pessoa.

Essa fraternidade entre as pessoas tem fundamento na paternidade de Deus e, por isso, diferencia-se de modo fundamental do ponto de vista secular da fraternidade, tal como foi exposta na Revolução Francesa.

Junto a isso, está a dimensão de criação. Criada à imagem de Deus, a vida humana recebe uma dignidade inviolável, levando o Papa a condenar a interpretação utilitarista de nossa humanidade.

Política

Ainda que essa antropologia possa parecer muito abstrata, é o fundamento necessário para a filosofia política, explica Rourke. Nossa visão do que é uma vida compartilhada pelas pessoas fundamenta-se necessariamente no que entendemos por ser uma pessoa e uma comunidade.

Segundo Rourke, Bento XVI considera a política como um exercício da razão, mas de uma razão informada também pela fé. Como resultado, o cristianismo não define a educação como uma mera aquisição de conhecimento, mas deve ser orientado por valores fundamentais, como a verdade, a beleza e a bondade.

Quando a razão se separa de uma compreensão clara dos fins da vida humana, estabelecidos pela criação e afirmados nos Dez Mandamentos, então não há ponto de referência para fazer julgamentos morais. Se isso acontece, abre-se então caminho ao consequencialismo, que nega que algo seja bom ou mau por si próprio.

Uma interessante linha de pensamento nos escritos do cardeal Ratzinger é a separação Igreja-Estado, comenta Rourke. A separação de Jesus, em Marcos 12, 17, dos dois, “Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”, significa que o cristianismo destruiu a ideia de um estado divino.

Antes do cristianismo, a união da Igreja e do Estado era uma prática normal, e até mesmo no Antigo Testamento ambos foram fundidos. De facto, essa foi a causa da perseguição dos cristãos pelo Império Romano, ao se negarem e aceitar a religião do estado.

A separação dos dois por Jesus foi benéfica para o Estado, posto que não teve de viver com a expectativa da perfeição divina, afirmava o cardeal Ratzinger. Essa nova perspectiva cristã abriu a porta para uma política baseada na razão.

Mitologia

Além disso, ele afirmava que quando voltamos para a compreensão pré-cristã da política, acabamos por eliminar as limitações morais, como na Alemanha nazi e nos Estados comunistas.

No mundo actual, o então futuro pontífice advertia que a interpretação mitológica do progresso, da ciência e da liberdade representam um perigo. O elemento em comum que eles contêm é a tendência ao desenvolvimento de uma política irracional que busca o poder acima da verdade.

Como Papa, Ratzinger retomou esse tema, em sua segunda encíclica, sobre a esperança. Ele advertia que o que esperamos como cristãos não deveria se misturar com o que podemos conquistar com a actual política.

Voltando ao que o cardeal Ratzinger escreveu em seu livro Igreja, Ecumenismo e Política, Rourke afirma que a separação Igreja-Estado tornou-se confusa na época moderna, ao se interpretar como uma exclusão da Igreja de toda arena pública do Estado.

Se aceitarmos isso, a democracia reduz-se a uma séria de procedimentos, não limitados por valores fundamentais. Pelo contrário, o futuro Papa afirmava a necessidade de um sistema de valores para regressar aos primeiros princípios, como a proibição da morte de vidas inocentes, ou a base da família, fundada na união permanente de um homem e uma mulher.

Consciência

Entre os muitos outros temas que Rourke examina, está o da consciência. À primeira vista, isso pode parecer que tem pouco a ver com os temas sociais ou políticos. Contudo, ela desempenha um papel crítico.

É no foro íntimo de nossa consciência onde preservamos as normas fundamentais em que se baseia a ordem social. É também um limite do poder do Estado, pois o Estado não tem autoridade legítima para transgredir essas normas. Por isso, a consciência está na raiz da limitação ao governo.

A destruição da consciência é o requisito prévio para um regime totalitário, explicava o então arcebispo Ratzinger em uma conferência feita em 1972. “Quando prevalece a consciência, há um limite do domínio das ordens humanas e das escolhas humanas, algo sagrado que se deve permanecer inviolável e que, na sua soberania definitiva, evita qualquer controle, seja próprio ou de outro qualquer”, afirmou.

Rourke explica que, ao dizer isso, o futuro Papa não estava por tirar a importância dos limites constitucionais e institucionais ao poder. Este ponto é, de certo modo, mais fundamental. Isso significa que nenhuma instituição ou estrutura pode preservar as pessoas da injustiça, quando os que têm autoridade abusam de seu poder. Nessa situação é o poder da consciência, levantado pelo povo, que pode proteger a sociedade.

Esta, por sua vez, conecta-se à fé, que é o “mestre” definitivo da consciência. A fé converte-se numa força política no mesmo sentido que fez Jesus, ao se converter em testemunho da verdade da consciência. “O poder da consciência é encontrado no sofrimento; é o poder da Cruz”, explicava Rourke em seu resumo do que foi dito na conferência de 1972.

“O cristianismo começa não com um revolucionário, mas com um mártir”, dizia o arcebispo Ratzinger.

Continuidade

O estudo de Rourke inclui um apêndice que examina a última encíclica sobre temas sociais de Bento XVI, “Caridade na Verdade”. Embora o livro estivesse quase terminando quando a encíclica foi publicada, Rourke discutiu sobre o que o Papa escrevia, que estava em consonância com os temas de seus escritos anteriores.

A introdução mostra isso claramente, observava Rourke, por seu nexo da verdade com o amor, e a ideia que há uma verdade objectiva, contrária à tendência do relativismo.

Rourke comentava que a encíclica conclui com a afirmação constante do Papa de que o que é verdadeiramente humano é derivado de Cristo e que Cristo nos leva a descobrir a plenitude de nossa humanidade. Esse humanismo cristão é o que Bento XVI diz ser nossa maior contribuição para o desenvolvimento. Uma inspiradora meta pela qual se esforçar."

Por Pe. John Flynn, L.C.
ROMA, terça-feira, 13 de abril de 2010 (ZENIT.org).

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