quarta-feira, 10 de março de 2010

"Um pé(c) descalço, uma geração perdida"

"O Plano de Estabilidade e Crescimento esqueceu-se do crescimento. Depois de uma década perdida, já lá vem outra a galope

"Foi António Guterres quem usou pela primeira vez a expressão "não há uma segunda oportunidade para causar uma primeira boa impressão". Não importa que Guterres se tenha inspirado numa campanha publicitária do champô para a caspa "Head & Shoulders" com esse slogan; interessa saber que imagem ficou destas primeiras linhas do Plano de Estabilidade e Crescimento (PEC).

"A resposta não exige grandes meditações: na verdade, não estamos perante um PEC, mas perante um PE. José Sócrates e Teixeira dos Santos procuram de facto estabilizar as contas do Estado até 2013 através da redução do défice público, mas esqueceram-se, não foram capazes ou não quiseram dar substância política à última letra do PEC - a letra C, de crescimento.

"Entre o PEC e o PE há uma enorme diferença. O PEC deveria ser um documento de política económica destinado a pôr em ordem as finanças do Estado para ajudar o país a crescer mais depressa. O PE é um documento menos ambicioso e com menos octanas, que se limita a tornar claro quais os recursos financeiros que o governo pretende usar para evitar a insolvência do Estado.

"O primeiro juízo político que é possível fazer desta versão ainda reduzida do PE(C) é, portanto, a da sua falta de alcance económico: o que sobra em contabilidade e contas de somar (impostos) e subtrair (recursos às classes médias) falta em visão económica. É verdade: para os mercados internacionais e para a Comissão Europeia, esta visão de mercearia é o mais importante, já que traduz o compromisso de travar a corrida para a falência e para o incumprimento das responsabilidades externas. No entanto, se para os credores e parceiros da UE é suficiente esta jura de bom pagador, para consumo interno é curto.

"Perante a gravidade das circunstâncias exigia-se mais esforço a Sócrates. Por exemplo, assumir que de facto está a aumentar os impostos não apenas a quem apresenta rendimentos superiores a 150 mil euros brutos anuais, mas a uma fatia mais alargada da população: é esse o efeito prático da redução dos benefícios fiscais. Disfarçar esta realidade não resolve nada e, como se viu, não escapou a ninguém com a cabeça em cima dos ombros. A caspa, como as meias verdades, é impossível de disfarçar.

"Mas assumir os factos, além de um acto de inteligência política e de respeito pelos eleitores, teria um efeito instrumental: confrontado o país com a gravidade da crise e a violência das medidas inevitáveis (a que se juntará a subida dos juros), o governo ter-se-ia sentido forçado a indicar o objectivo maior do plano que apresentará em Bruxelas. Depois de uma década perdida, a nova que agora se anuncia ameaça tornar-se uma nova catástrofe social.

"Além dos 500 mil desempregados, que vieram para ficar, as novas gerações que estão a entrar no mercado de trabalho vão enfrentar condições duríssimas de sobrevivência. Muitos não serão capazes de sair de casa dos pais. Outros - alguns já com mais de 30 anos - terão de regressar perante a impossibilidade de encontrarem trabalhos capazes de os sustentar. Outros ainda terão de emigrar. O que o país lhes oferece são mais impostos e menos oportunidades. Talento e energia serão por isso desperdiçados. A geração rasca deu agora lugar à geração à rasca. Não é bonito, não é elegante, é apenas Portugal - apesar de Sócrates lavar sempre mais branco. Com ele é tudo uma campanha."

por André Macedo, Publicado no "i" a 10 de Março de 2010

2 comentários:

Anónimo disse...

"José Sócrates e Teixeira dos Santos procuram de facto estabilizar as contas do Estado até 2013 através da redução do défice público, mas esqueceram-se, não foram capazes ou não quiseram dar substância política à última letra do PEC - a letra C, de crescimento."

Mas alguma vez o socialismo consegue fazer C a economia - a letra C é de crescer?

Anónimo disse...

*conseguiu