quinta-feira, 18 de março de 2010

"Um programa muito concreto nos impostos"

"O Orçamento do Estado já aprovado e o Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) apresentado são bons instrumentos para acelerar a recuperação ou, pelo contrário, vão atrasá-la?

"Em primeiro lugar, sobretudo quanto ao PEC, há que reconhecer a dificuldade de o conceber e também de o concretizar. As dificuldades são inúmeras e complexas e o meu primeiro reconhecimento é da natureza da dificuldade; é mais fácil falar do que fazer. Em todo o caso, o que me parece, neste Programa de Estabilidade e Crescimento, é que há uma palavra a mais, que é o C de crescimento. É um programa que tem coisas que defendo, tem coisas de que discordo, mas sintetizaria dizendo o seguinte: é um programa muito concreto nos impostos, relativamente vago na despesa, omisso quanto à questão da poupança e ausente quanto à economia. É por isso que acho que o C, de crescimento, que tem que ver com a economia, está relativamente posto de parte.(...)

"E que influência pode isso ter no combate ao desemprego, que deve ser, segundo todos os pontos de vista, um dos maiores combates do Governo português?

"Sem dúvida! Repare bem que a previsão do Programa de Estabilidade e Crescimento quanto ao desemprego é bastante defensiva, isto é, chegaremos a 2013 ainda com taxas à volta dos 9%. O que significa que, pelo menos do ponto de vista dos grandes objectivos, não me parece a primeira prioridade. Ora bem, por mais voltas que se queiram dar, por mais ventos ideológicos que se queiram agitar - o que é natural, porque há maneiras diferentes de abordar a complexidade do mundo, do ponto de vista doutrinário, ideológico -, há uma questão que é quase "de aritmética política": não temos moeda própria, barreiras alfandegárias, grandes autonomias na política fiscal e orçamental. Então o que temos? Só temos possibilidade de sermos competitivos num mundo cada vez mais agressivo e predador com o aumento das exportações ou a diminuição das importações. Ou seja, com o aumento da produtividade.

"E havia condições para baixar impostos agora?

"Acho que uma das coisas que deviam estar no Programa de Estabilidade e Crescimento, do ponto de vista da economia, não é só aumentar impostos e cortar determinado tipo de despesas, é estimular, por exemplo, os bens transaccionáveis. Uma política fiscal discriminatória do ponto de vista positivo para os bens transaccionáveis, isto é, para as empresas que exportam. Porque só temos essa solução para crescermos.

"Para aumentar a nossa competitividade?

"Para aumentar! E também ao nível da produtividade. Estes são os dois factores decisivos, e não vale a pena fazermos mais floreados! Permita-me esta visão esquemática do que penso do nosso país nos próximos tempos: acho que temos três problemas, a que chamo os três D - défice, dívida e desemprego. Um na perspectiva económica, outro na financeira, outro na perspectiva social. E temos três possibilidades de resolver estes problemas, que são três P - estímulo da poupança, aumento da produtividade e procura externa, ou seja, exportações. E fora disto pode-se fazer muitos esquemas, belos discursos, é tudo muito interessante, mas a chave da solução está aqui.(...)"

Entrevista a Bagão Félix
por JOÃO MARCELINO (DN) e PAULO BALDAIA (TSF)

1 comentário:

Rui Moreira disse...

Desde os tempos em que foi Ministro que eu acho que é um senhor. No discurso e nos actos, um digno porta-voz do pensamento democrata-cristão português. O diagnóstico perfeito do PEC e do estado da nação.