sexta-feira, 19 de março de 2010

Meu caro Rui Moreira,

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“ Quando Thomas Mann deixou a Europa, em 1938, para se instalar nos Estados Unidos, observou, com toda a seriedade, numa conferência de imprensa dada à sua chegada a Nova Iorque: «Onde eu estou, está a cultura alemã». Para muitas pessoas, esta declaração constituiu mais uma demonstração da mundialmente famosa arrogância do autor. Todavia, o seu irmão, Heinrich Mann, soube-a interpretar melhor. Nas suas memórias, Ein Zeitalter wird besichtigt, inicia o capítulo «Mein Bruder» com o episódio atrás mencionado, a que acrescenta: «Sabíamos agora o que o Fausto de Goethe quis dizer, ao afirmar: “Aquilo que de teus pais herdaste/ Merece-o para que o possuas”. As palavras de Thomas Mann, segundo o seu irmão mais velho, não foram uma expressão de arrogância, mas de um profundo sentido de responsabilidade.”

Rob Riemen, in Ensaio introdutório a
“A ideia de Europa” de George Steiner, 2004

No seguimento deste ensaio, assume-se a responsabilidade pela cultura europeia, respeitando o seu código moral intelectual e o preservar dum ideal de civilização: a ideia de Europa.
Um pouco mais à frente, pode ler-se: “É a herança cultural, as importantes obras de poetas e pensadores, artistas e profetas, que uma pessoa tem de usar para a cultura animi (a expressão é de Cícero), o cultivo da alma e do espírito humanos”.
E ainda: “Há uma relação entre linguagem e política, entre cultura e sociedade. Para compreender os desenvolvimentos culturais, para ver que ideias vigoram e quais as consequências que terão, é indispensável uma reflexão filosófico-cultural.
“É essencial ser elitista – mas no sentido original da palavra: assumir a responsabilidade pelo «melhor» do espírito humano. Uma elite cultural deve ter responsabilidade pelo conhecimento e preservação das ideias e dos valores mais importantes, pelos clássicos, pelo significado das palavras, pela nobreza do nosso espírito. Ser elitista, como explicou Goethe, significa ser respeitador: respeitador do divino, da natureza, dos nossos congéneres seres humanos, e, assim, da nossa própria dignidade humana”.

As questões que o nosso amigo Rui Moreira aponta no seu comentário ao texto que deixei aí (de Mª J. Nogueira Pinto sobre MFL), são interessantes e complexas.

Eu – a bem da verdade – não simpatizava nada com a Dr.ª Manuela Ferreira Leite! Lembro-me dela quando foi Ministra das Finanças de Durão Barroso (e a triste história da tanga).

Chegou o Sócrates, com aura de Ministro competente do tempo de Guterres, que substituiu o errático Santana Lopes.
É evidente que nunca ninguém pensou que a política de Sócrates fosse tão má como é. E o PS teve maioria absoluta (resultado a que não esteve à altura, tendo perdido a maioria nas eleições seguintes).

Até começou bem.
Queria corrigir, queria tornar Portugal melhor. F. Pública, Código do Trabalho (de Bagão Félix), Educação, Saúde: o Governo ia a todas!
Maior a ambição, maior o estoiro!
É bom sermos ambiciosos mas, quem não sabe é como quem não vê. E a política do Governo de Sócrates e os seus ministros (e do PS), revelou-se incompetente. Pior ainda: não mostrou merecer a maioria e a confiança que o povo lhe tinha dado.
A questão da Educação foi o exemplo acabado! E o Governo estragou tudo, quase destruiu a Escola!...

Quanto ao PSD…
… Ainda ontem, ouvi Pacheco Pereira dizer que estão profundamente divididos (hoje, Março de 2010). Defendia ele que o próprio Marcelo Rebelo de Sousa foi sistematicamente atacado até dizer, uma vez mais, há uns dias, que não era candidato. Então, passou a ser aclamado! Dá para sentir o cinismo…

Depois de Santana como líder, seguiu-se Marques Mendes. Figura pouco simpática, mas que procurava seriedade na política (ou seja, o mínimo, o grau zero – que hoje não temos). Enrolado na devoradora Câmara de Lisboa, perdeu-se e perdeu o PSD.

Chegou a vez do emotivo e lírico L F Menezes. Durou seis meses.

Manuela Ferreira Leite aceitou candidatar-se para apanhar os cacos e ir preparando o PSD para ir para o Governo. Ao que parece não estava nos seus planos ganhar as eleições…

Ao mesmo tempo, os escândalos com Sócrates somavam-se uns aos outros. É certo, como defende o sibilino José Miguel Júdice, que não há ainda nenhuma acusação provada contra o Primeiro-ministro. Talvez, só mesmo a falta de cultura arquitectónica espelhada nos seus “projectos” da Beira!...

Além disso, há uma questão muito grave e que não se vê: os dirigentes do PS não têm escrúpulos! Vale tudo.
Manuela Ferreira Leite é claramente uma pessoa com escrúpulos. É séria e procura a competência. Não pretende enganar ninguém.

Dizem os entendidos que a grande invenção dos gregos foi a Política! De facto, antes da Civilização Grega, os naturais conflitos na sociedade resolviam-se em guerras. Em Atenas, resolviam-se na Assembleia (tal como no Senado em Roma). Mas, a política continua a ser uma guerra, uma luta.
É também verdade que as conquistas da Civilização Grega não chegaram a todo o lado. Veja-se a Somália (sem Governo há 15 anos!), veja-se a Coreia do Norte, Cuba, alguns países da antiga União Soviética…

Sócrates usa todos os recursos que tem à mão para ganhar eleições (e ganhou). Ferreira Leite não tem especial talento para disputar eleições e perdeu. Na minha opinião – mesmo sem simpatizar especialmente por MFL – perdeu também Portugal. Mas temos de respeitar os resultados.

Penso que o PS corre o risco de ir passar uma longa temporada à oposição (para seu bem). Mas, a verdade é que do PSD não parece vir grande estadista. Oxalá eu me engane (como tantas vezes acontece!).

Um abraço para o Rui (e para todos),
Nuno

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