quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

"Descer à terra"

Nem o PS e o Governo estão em fase ascendente,
nem José Sócrates é a mais-valia que já foi



"Em vez de se dedicar a apresentar soluções, a resolver problemas e a atalhar conflitos, ou seja, a governar, a maioria socialista passa o tempo na mais baixa e improdutiva politiquice. Ateia e alimenta guerras, queixa-se de tudo e todos, dramatiza o mais ínfimo gesto de pretensa hostilidade venha ele de onde vier. Um exército de doze - sim, DOZE - vice-presidentes da bancada parlamentar reveza-se em lamúrias contra o Presidente da República, os partidos da oposição, a Justiça (quando lhes convém), a crise, as condições climatéricas... enfim, o mundo e todos os elementos que o imaginário, já a dar para o esquizofrénico, desta gente acha por bem convocar para tecer conspirações e efabular a realidade.

"Este clima não augura nada de bom, num momento em que se está perante a apresentação de um Orçamento de Estado cuja base assenta em dados económicos altamente preocupantes e com pressupostos de conjuntura externa muito instáveis. A frágil situação portuguesa aconselharia à máxima prudência e contenção por parte de quem conduz os destinos do País por forma a encontrar as soluções constitucionais capazes de garantir a estabilidade da governação. Acordos de incidência parlamentar, coligações, pactos sectoriais, há várias hipóteses já experimentadas ao longo dos mais de 35 anos de democracia, algumas delas negociadas por socialistas, como Mário Soares ou António Guterres, que tiveram mais ou menos virtualidades, mas que, inegavelmente, contribuíram, em cada momento, para superar dificuldades.

"Este PS de Sócrates - há mais PS para além do que regularmente aparece nos media - não dá quaisquer sinais de querer negociar seja com quem for, parecendo cada vez mais apostado na via do confronto, quem sabe sonhando com uma eventual dissolução do Parlamento que lhe permita voltar a governar sozinho. Sonhar é de graça, mas quando se confundem os sonhos com a realidade os custos podem ser elevadíssimos. Só mesmo quem anda no mundo da lua se pode convencer de que o caminho do aventureirismo político conduz algum partido a bons resultados. Até porque nem o PS nem o Governo estão já em fase ascendente, nem José Sócrates é a mais-valia que já foi no panorama socialista. Pelo contrário, a irascibilidade do primeiro-ministro ameaça passar definitivamente a sério problema em prejuízo das ambições do próprio PS. Alguém terá de o persuadir, de uma vez por todas, de que já não tem maioria absoluta, que todos os indícios de arrogância são cada vez mais contraproducentes, na sua relação com os portugueses, e que é na difícil arte de negociar que se revelam as reais qualidades de um político.

"Já agora, e de caminho, o eng.° Sócrates e os seus fiéis seguidores também deviam ter em conta que bem podem desenhar uma crise política a régua e esquadro, construindo cenários e prevendo timings, mas uma coisa é certa: pode saber-se quando e como começa, mas não se sabe como acaba. Quem imagina que o pedido de demissão do primeiro-ministro conduz, necessariamente, a novas eleições é capaz de estar algo equivocado. O melhor mesmo é descerem à terra antes que o desastre seja total."

Áurea Sampaio, in Visão, 7 de Janeiro de 2010

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