quinta-feira, 23 de julho de 2009

Onde estou eu, está a cultura portuguesa


“ Quando Thomas Mann deixou a Europa, em 1938, para se instalar nos Estados Unidos, observou, com toda a seriedade, numa conferência de imprensa dada à sua chegada a Nova Iorque: «Onde eu estou, está a cultura alemã». Para muitas pessoas, esta declaração constituiu mais uma demonstração da mundialmente famosa arrogância do autor. Todavia, o seu irmão. Heinrich Mann, soube-a interpretar melhor. Nas suas memórias, Ein Zeitalter wird besichtigt, inicia o capítulo «Mein Bruder» com o episódio atrás mencionado, a que acrescenta: «Sabíamos agora o que o Fausto de Goethe quis dizer, ao afirmar: “Aquilo que de teus pais herdaste/ Merece-o para que o possuas”. As palavras de Thomas Mann, segundo o seu irmão mais velho, não foram uma expressão de arrogância, mas de um profundo sentido de responsabilidade.”

Rob Riemen, in Ensaio introdutório a
“A ideia de Europa” de George Steiner, 2004

No seguimento deste ensaio, assume-se a responsabilidade pela cultura europeia, respeitando o seu código moral intelectual e o preservar dum ideal de civilização: a ideia de Europa.

Um pouco mais à frente, pode ler-se: “É a herança cultural, as importantes obras de poetas e pensadores, artistas e profetas, que uma pessoa tem de usar para a cultura animi (a expressão é de Cícero), o cultivo da alma e do espírito humanos”.

E ainda: “Há uma relação entre linguagem e política, entre cultura e sociedade. Para compreender os desenvolvimentos culturais, para ver que ideias vigoram e quais as consequências que terão, é indispensável uma reflexão filosófico-cultural.

“É essencial ser elitista – mas no sentido original da palavra: assumir a responsabilidade pelo «melhor» do espírito humano. Uma elite cultural deve ter responsabilidade pelo conhecimento e preservação das ideias e dos valores mais importantes, pelos clássicos, pelo significado das palavras, pela nobreza do nosso espírito. Ser elitista, como explicou Goethe, significa ser respeitador: respeitador do divino, da natureza, dos nossos congéneres seres humanos, e, assim, da nossa própria dignidade humana”.

Num tempo de agressivo relativismo, é muito consolador saber que há quem pense que não vale tudo, que o dinheiro não é a única coisa que importa. Outros valores se levantam, como dizia o poeta.

“Onde eu estou, está a cultura portuguesa” é um título inspirado neste texto de Rob Riemen. Significa, no fundo, que há que assumir a nossa cultura, defendê-la, desenvolvê-la. E não seguir esta mentalidade curvada dos nossos dias, em que ninguém se compromete, como se não houvesse gosto em ser português. O nosso povo é um grande povo, capaz de grandes feitos: “o mar sem fim é português”, escreveu Pessoa; e continua a realizar muita coisa boa. Vamos assumir a nossa responsabilidade e continuar a progredir. O que não é aceitável é assistirmos ao delapidar desta nossa cultura, da nossa maneira de ser, a arte de ser português – com especial destaque para os estragos provocados pelas televisões e pelas chamadas medidas fracturantes – e não fazer nada.

Não quero ser arrogante – de quê? – ao dizer que onde estou, está a cultura portuguesa, antes quero assumir a minha parte dessa responsabilidade. Voltando ao autor da Mensagem: “Aqui ao leme sou mais do que eu:/ Sou um Povo que quer o mar que é teu”, dizia o marinheiro ao Monstrengo. Esta é a nossa herança, que recebemos das nossas famílias e do nosso povo. Farei o que estiver ao meu alcance para defendê-la e para promovê-la.

Uma nova política para a cidade precisa-se: culta, respeitadora e progressista.

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